Written by Assistente on November 29, 2018 in Blog

SP precisa explicar os erros de sua política de segurança pública, por Jacqueline SinhorettO

Os números alarmantes da letalidade policial precisam ser melhor estudados por relatórios independentes e por pesquisadores. Mas o mais importante é que eles sejam explicados pela Polícia Militar e pela Secretaria de Segurança Pública, pois eles devem ao público transparência e compromisso. É preciso que o Comando da PM, a SSP e o Governo do Estado de São Paulo expliquem porque aumentaram os confrontos com mortos nas atuações policiais. E expliquem o que está dando errado nas operações policiais para que elas estejam fugindo tanto ao controle e produzindo resultados indesejados com tanta frequência.

Não obstante, as declarações do governador e o próprio discurso da PM indicam que o crescimento do número de mortos está ligado a uma política de segurança que aposta no confronto violento, ao invés de apostar em investigação e inteligência para realizar o controle do crime. Entrevistas concedidas por policiais civis aos pesquisadores da UFSCar têm abordado a sensação de desprestígio que a polícia investigativa sente diante da gestão Alckmin. Alguns usaram a expressão “sucateamento da Polícia Civil”. Eles percebem um privilégio à PM para atuar em procedimentos sigilosos promovidos em parceria com setores do Ministério Público, atuando num modelo de investigação pouco democrático e com objetivos não muito esclarecidos.

A outra face desta política de suposta repressão ao crime a qualquer custo é a morte desenfreada de jovens negros. A justificativa oferecida pelos policiais para estas mortes é o combate ao crime e à agressão sofrida pelos policiais. Mas é muito difícil para nós acreditar que as polícias de São Paulo estejam tão despreparadas para realizar o controle do crime a ponto de realmente estarem trocando tiros a esmo nas ruas. Se estão fazendo isto, estão errando duplamente. O crime organizado é altamente hierarquizado, com estruturas organizacionais e financeiras bastante sofisticadas e não é trocando tiro na rua que se irá controlar suas atividades com eficiência. O outro erro é a violência que esta forma de combate produz para a sociedade como um todo, incluindo jovens com menos 20 anos, incluindo os policiais e suas famílias, que ficam vulneráveis a ações de revide.

Esta política de confronto está amparada numa concepção de segurança pública enviesada e antidemocrática, pois supõe que seja legítimo matar uma parcela da população com a suposta justificativa de preservar a segurança de outra parcela. Além de ser inaceitável esta concepção numa sociedade democrática, ela é ineficiente para este objetivo declarado, pois o crescimento do número de confrontos com a polícia não reduziu o número de roubos praticados e não enfraqueceu as estruturas financeiras do tráfico de drogas. Ou seja, não é verdade que quando a polícia mata mais pessoas a sociedade fica mais segura.

O outro efeito nefasto da alarmante letalidade policial é a destruição da legitimidade da ação da polícia junto a grandes parcelas da população. Os jovens da periferia desconfiam da ação da polícia e sentem medo quando a polícia está presente. A presença da polícia é fator de insegurança para os jovens negros da periferia, contrariando todas as nossas crenças de que a presença da polícia transmita a sensação de segurança. O descrédito na polícia é muito negativo para a ordem democrática, pois reforça a legitimidade de soluções fora da lei, incluindo a administração de conflitos por agentes vinculados ao crime e a violência cometida com as próprias mãos. Um dos reflexos desta descrença é hoje o apoio, legítimo, dos jovens à extinção da polícia militar e a adesão à bandeira da desmilitarização.

Jacqueline Sinhoretto, 40, professora do Departamento de Sociologia da UFSCar, líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos-GEVAC