Written by Assistente on November 29, 2018 in Blog

Jacqueline Sinhoretto: “Soluções violentas não geram segurança, mas extermínio”

Para socióloga, não há investimento suficiente para proteger o jovem – principal vítima de armas de fogo no Brasil

IGOR UTSUMI ,15/05/2015 – 18h22 – Atualizado 15/05/2015 19h21

Brasileiro, homem, 19 anos. Esse é o perfil da principal vítima de armas de fogo no Brasil. A cada 100 mil jovens desta idade, 62,9 morrem por causa de um tiro. Eles estão entre as 42.416 pessoas que morreram baleadas no Brasil em 2012 – que equivale a 116 mortos por dia –, segundo o Mapa da Violência 2015. Deste total, 94,5% foram mortes por homicídio. O estudo coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz foi divulgado nesta semana. (Confira os números na reportagem do G1)

Para Jacqueline Sinhoretto, socióloga e coordenadora do Grupo de Estudos sobre a Violência e Administração de Conflitos (GEVAC) da UFSCar, o agravamento do problema está ligado às atuais políticas de segurança pública. Segundo ela, não há investimento suficiente para proteger os jovens. Em vez disso, há uma percepção geral de que crimes devem ser enfrentados com violência. Em entrevista a ÉPOCA, Jacqueline afirma que isso é problemático: “Não gera segurança, mas extermínio”.

ÉPOCA – Quais suas principais impressões da pesquisa?
Jacqueline Sinhoretto –
 Acho importante destacar a quantidade de homicídios, que por si só é um número absoluto altíssimo. Mas é preciso observar que essa questão não atinge a todos igualmente. Pelo contrário, é muito bem focalizada: os jovens morrem mais, e entre eles, os jovens negros (foram 142% mais negros que brancos mortos por armas de fogo). Não é algo que declina ao longo dos anos, não é permanência de traço do passado. Isso é vivido no presente, está relacionado à ausência ou fraqueza de políticas públicas para proteção da juventude, especialmente a negra.

ÉPOCA – Mas a piora nos índices de homicídio não está ligada apenas a esse grupo. Também acontece no quadro geral. Por quê?
Jacqueline – 
Está claro que há uma ligação direta com as armas de fogo. O Mapa da Violência mostra que os números provavelmente seriam ainda piores sem o Estatuto do Desarmamento. E também é preciso fazer uma leitura conjunta com o alto índice de letalidade policial. As taxas de violência são muito grandes, mas o número de pessoas que morrem pela mão do próprio Estado como parte das políticas de segurança pública é grave.

ÉPOCA – Quão grande é o impacto da questão policial?
Jacqueline –
 Quando pesquisadores de outros países olham os índices brasileiros, acham até que houve imprecisão na pesquisa, que alguém errou ao digitar os dados. Em 2014, na França, a polícia matou seis pessoas no ano inteiro. Aqui é o que se mata em um dia. Os homicídios por policiais militares estão relacionados ao modelo de policiamento adotado na maior parte do Brasil: o criminoso não é visto como alguém que cometeu um delito, mas como um inimigo a ser destruído. Isso tudo gera impressão de que crime precisa ser combatido com mais violência. E essa visão produz mais mortes.

ÉPOCA – O Mapa da Violência mostra que jovens negros são as maiores vítimas dos homicídios por mortes de fogo. Eles têm 2,5 mais chances de morrer do que jovens brancos. Por quê?
Jacqueline –
 Justamente porque o modelo de policiamento visa esse grupo. Há uma crença de que o criminoso tem tipo físico específico e cor de pele determinada. O jovem negro tem estigma de criminoso, e pelas políticas de segurança pública atuais, soluções violentas são boas soluções. Isso é problemático porque não gera segurança, mas extermínio. Os jovens negros correm maior risco de morte, mas não existe investimento suficiente em prevenção à violência contra esta população.

ÉPOCA – Há certa discrepância entre os índices de cada Estado. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, têm diminuído as mortes por armas de fogo, enquanto a situação tem piorado em outras regiões. Por que essa diferença? Aspectos socioeconômicos influenciam?
Jacqueline – 
É difícil relacionar só com aspectos socioeconômicos. Comparando os números de 2012 com os de 2002, Roraima foi o terceiro Estado que mais reduziu as taxas de óbito por armas de fogo. Dá para dizer que Roraima é um Estado rico? Não. Minas Gerais teve uma piora e não é um Estado pobre. É mais difícil explicar como esses estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, diminuíram as mortes porque não há uma política clara de redução de homicídios como em Pernambuco, por exemplo. Só há política de aumentar encarceramento. Mas o Mapa do Encarceramento, que vai ser lançado em breve, mostra que prender mais não significa evitar mais homicídios.

ÉPOCA – E como reverter esse quadro? Que soluções devem ser tomadas?
Jacqueline – 
É extremamente importante mudar o modelo de policiamento e as políticas de segurança pública, como já comentei. Medidas que reduzem o número de roubos de celular não são as mesmas que reduzem homicídios. É possível ver várias iniciativas que funcionaram — talvez não do modo exato como gostaríamos, mas com resultados importantes — como o Pacto pela Vida, em Pernambuco, e o Fica Vivo, que durante um tempo funcionou em Minas Gerais, planos que têm metas bem amarradas. Não é que não se sabe o que precisa ser feito; se sabe, mas as políticas de segurança pública não colocam em prática.

Jovens morrem mais
Número de jovens, de 15 a 29 anos, assassinados por armas de fogo no Brasil 
2002 20.567
2003 21.755
2004 20.827
2005 20.336
2006 20.939
2007 20.546
2008 21.475
2009 21.912
2010 21.843
2011 21.594
2012 23.867

Fonte: Mapa da Violência 2015

ACESSE:  Soluções violentas não geram segurança, mas extermínio .