Written by Assistente on March 10, 2019 in Blog L_PESQUISA - Conflitos

Por Giane Silvestre e Ariadne Natal, Núcleo de Estudos da Violência da USP  .

O ano de 2019 começou com boas e más notícias no que diz respeito ao número de mortes violentas no Brasil. A boa notícia é que houve uma queda de 13% nas mortes violentas em todo o país no ano de 2018(12% se forem considerados apenas os homicídios), conforme divulgado pelo Monitor da Violência na semana passada. A má notícia é que a queda não foi observada na mesma proporção quando as vítimas são mulheres.

Segundo os dados levantados pela equipe do G1, entre 2017 e 2018 o número de mulheres mortas caiu de 4.558 para 4.254, uma redução de 6,7%, frente uma queda maior dentre os homens.

No Brasil, no ano de 2018, os homicídios de mulheres representaram cerca de 8,7% dos total de assassinatos no país. Isto significa que, de cada 100 pessoas mortas, mais de 8 delas eram mulheres. Esta distribuição, entretanto, não se deu de maneira homogênea nos diversos estados brasileiros. Enquanto que, em Amapá e Sergipe, 4% das mortes violentas incidiram sobre mulheres, em estados como São Paulo as mulheres representaram 15% das vítimas, chegando a 20% em Mato Grosso do Sul.

Considerando a diferença na densidade populacional no Brasil, a forma mais adequada de comparar a incidência de casos por estados é por meio do cálculo de mortes por 100 mil habitantes. Em 2018, a média nacional de mulheres assassinadas foi de 4 por 100 mil habitantes. Dentre os estados, Roraima, Ceará e Acre se destacam por taxas muito acima da média nacional, com mais de 8 mortes de mulheres por 100 mil habitantes.

Existem diferentes formas de registrar as mortes provocadas por terceiros, a depender da situação e das circunstâncias de cada caso, como homicídio e latrocínio, por exemplo. Quando as vítimas são mulheres, as mortes podem ser classificadas como feminicídios se o crime for motivado pela condição de gênero. Isso porque desde 2015 a lei 13.104 inseriu o feminicídio no ordenamento jurídico nacional. Com quatro anos de implementação da lei, podemos dizer que ainda estamos diante de um processo de consolidação dos registros e que o aumento dos números pode ser reflexo do maior emprego da tipificação do feminicídio.

Segundo os dados levantados pelo Monitor da Violência, 16 unidades da federação tiveram aumento dos registros de feminicídio em 2018 em relação ao ano anterior. Além disso, em oito destes estados cresceu também o registro de homicídio de mulheres, ou seja, não houve uma substituição na tipificação da morte (de homicídio para feminicídio), mas sim um aumento do número de mulheres mortas nas duas situações.

Dentre os 16 estados que apresentaram aumento no número de feminicídios, destacam-se Paraná, Ceará, Distrito Federal e Rio Grande do Sul com crescimentos acima de 40% e Sergipe com o crescimento de 78%. O estado do Ceará chama a atenção ainda, pois, além do alto número de feminicídios, registrou um aumento de 27% de mortes de mulheres, embora tenha tido uma redução de 15% nas mortes violentas de homens em 2018. Vale lembrar que logo no início de 2018 o Ceará foi palco de uma chacina que vitimou 14 pessoas, sendo 8 mulheres.

Para além das discrepâncias regionais, os dados apresentados pelo Monitor da Violência indicam que a vitimização de mulheres segue como um problema crônico no Brasil e enraizado na formação da nossa sociedade. A condição de vulnerabilidade das mulheres é construída por questões econômicas, culturais, educacionais e que podem e devem ser alteradas por meio de políticas públicas voltadas à prevenção da violência. A implementação da lei do feminicídio foi um pequeno passo dado na direção de colocar esta questão na esfera pública, combatendo a noção de que a violência contra a mulher seria um problema privado, na qual não se deveria “meter a colher”.

A dinâmica das mortes que vitima as mulheres possui características distintas daquela que incide sobre os homens e, por esta razão, as políticas de prevenção da violência contra a mulher precisam levar em conta esta especificidade. Muitas das mortes poderiam ter sido evitadas, por exemplo, com o funcionamento eficaz de um sistema de medidas protetivas, interrompendo um ciclo de violência e impedindo desfechos letais.

ACESSE: Homicídio contra mulher e feminicídio demandam políticas públicas específicas.