Written by Assistente on November 29, 2018 in Blog

Construir prisões não é resposta adequada para questão penitenciária no Brasil, diz especialista

Igor Truz | São Paulo – 05/01/2017 – 18h58
Autora do livro ‘Dias de Visita’, que analisa a criação de presídios no interior paulista, Giane Silvestre, pesquisadora do Gevac-UFSCar, afirma que construção de cadeias impulsiona encarceramento

Um novo presídio para cada estado brasileiro. Esta foi a medida anunciada pelo presidente Michel Temer nesta quinta-feira (5/1) como resposta ao Massacre de Manaus. Três dias após a rebelião no Compaj (Complexo Prisional Anísio Jobim), que deixou ao menos 56 presos mortos, Temer prometeu a mobilização de R$ 800 milhões para a construção de novas penitenciárias.

A solução presidencial, no entanto, passa longe de resolver a questão penitenciária no Brasil. É o que aponta a cientista social Giane Silvestre, pesquisadora do Gevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e associada ao FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

“Definitivamente, a construção de unidades prisionais não é uma resposta adequada para a questão penitenciária no Brasil, pois estamos prendendo cada vez mais. O crescimento físico do sistema prisional impulsiona o crescimento do encarceramento, e o maior exemplo disso é o Estado de São Paulo, que nos últimos 20 anos construiu mais de 120 prisões e teve sua taxa de encarceramento aumentada em 200%”, explica Giane.

A construção de presídios e seus desdobramentos são o tema do livro Dias de Visita (Alameda Editorial), onde a pesquisadora investigou o impacto da construção de penitenciárias em cidades do interior de São Paulo.

“Hoje, São Paulo tem uma das maiores taxas de encarceramento do país (503 presos por 100 mil habitantes) e o maior sistema prisional com 166 unidades. Ainda que a maior parte das prisões brasileiras estejam superlotadas, a construção de mais unidades sem que haja, simultaneamente, a implementação de uma política descarcerizante não resolverá a questão”, diz a pesquisadora.

Em entrevista coletiva concedida após as declarações de Temer, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que o governo pretende racionalizar o sistema penitenciário brasileiro e defendeu o fortalecimento de medidas alternativas ao encarceramento para autores de crimes sem gravidade ou violência. Para Giane, esta é uma das políticas que pode melhorar a situação do encarceramento no Brasil .

A pesquisadora lembra que esta já era uma tendência no governo da presidente Dilma Rousseff . No início do ano passado, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) instituiu a Política Nacional de Alternativas Penais, com o objetivo de traçar estratégias para ampliar a aplicação das penas alternativas. De acordo com Giane, no entanto, a iniciativa perdeu força após o impeachment de Dilma.

“É preciso que o governo federal tenha uma atuação mais incisiva, promovendo integração em nível nacional, com a participação dos Estados, no sentido de promover a melhoria das condições de aprisionamento ao evitar prisões desnecessárias, ao invés de construir mais prisões para aumentar o número de pessoas encarceradas e, consequentemente, o contingente das organizações criminais”, defende Giane.

Confira abaixo a entrevista completa com a especialista:

Painel Acadêmico – Como você avalia a declaração de Michel Temer de que o massacre ocorrido em Manaus foi um “acidente pavoroso”?

Giane Silvestre: classificar o episódio ocorrido em Manaus como um “acidente” é, no mínimo, um grande erro – ainda mais quando se trata da principal autoridade do poder executivo nacional. O massacre de Manaus é resultado de políticas de segurança ineficazes, má gestão do sistema prisional, descaso com a população carcerária e encarceramento excessivo, dentre outras questões. Diversas entidades (como Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e a Pastoral Carcerária) já haviam alertado sobre a situação precária das prisões do Amazonas, incluindo a Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ) onde ocorreu o massacre. O risco iminente de rebeliões e outras situações que pudessem colocar em risco a vida das pessoas detidas nestes espaços foi relatado por tais entidades, portanto, não se pode alegar desconhecimento sobre as causas desta tragédia. É lamentável que Michel Temer classifique um massacre destas proporções como um acidente, deixando transparecer a ausência de responsabilidade do Estado brasileiro sobre o fato.

Painel Acadêmico – No livro Dias de Visita, você aborda o impacto da construção de presídios em cidades do interior, tanto para os moradores locais, quanto para os familiares dos encarcerados. Neste sentido, como você avalia o anúncio de Temer da construção de um novo presídio para cada estado brasileiro? É uma resposta adequada para a questão penitenciária no Brasil? Quais seriam os efeitos?

Giane Silvestre: definitivamente, a construção de unidades prisionais não é uma resposta adequada para a questão penitenciária no Brasil, pois estamos prendendo cada vez mais. O crescimento físico do sistema prisional impulsiona o crescimento do encarceramento, e o maior exemplo disso é o Estado de São Paulo, que nos últimos 20 anos construiu mais de 120 prisões e teve sua taxa de encarceramento aumentada em 200%. Hoje, São Paulo tem uma das maiores taxas de encarceramento do país (503 presos por 100 mil habitantes) e o maior sistema prisional com 166 unidades. Ainda que a maior parte das prisões brasileiras estejam superlotadas, a construção de mais unidades sem que haja, simultaneamente, a implementação de uma política descarcerizante não resolverá a questão.

Painel Acadêmico – Isolar criminosos de “alta periculosidade” em presídios de segurança máxima pode ter alguma efetividade?

Giane Silvestre: não há evidências de que o isolamento seja uma medida efetiva para o controle da criminalidade. Em São Paulo, por exemplo, desde o início dos anos 2000 foram criadas unidades prisionais em que operam o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que impõe uma rotina de isolamento aos presos. Algumas lideranças do PCC foram transferidas para estas unidades desde então, no entanto, não há indícios de que as atividades criminais do grupo tenham se enfraquecido diante desta medida.

Painel Acadêmico  – Entre as medidas anunciadas pela equipe de Temer, chamou a atenção o fato de Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, defender a diferenciação de penas para crimes com e sem violência ou grave ameaça. O ministro defendeu a adoção de penas alternativas para os crimes menos graves. É uma mudança que pode de fato fazer a diferença?

Giane Silvestre: a adoção de penas alternativas à prisão é uma das políticas que pode melhorar a situação do encarceramento no Brasil. Crimes de baixa gravidade e sem violência não deveriam ser punidos com a pena de prisão, assim como o tráfico de pequenas quantidades. Sabemos que boa parte das prisões brasileiras são controladas por grupos que fazem o controle da criminalidade, inclusive do lado de fora das prisões. Colocar nestas prisões pessoas primárias ou acusadas de crimes de baixa ofensividade é fortalecer o crescimento destes grupos. Além disso, é preciso lembrar que 36% da população prisional brasileira é formada por presos provisórios, ou seja, por pessoas que ainda não tiveram sua culpa comprovada por parte da justiça, por isso, a celeridade no processamento destes casos também é uma medida que se faz urgente no cenário brasileiro.

Painel Acadêmico – O que é preciso para a diferenciação de penas dos crimes mais e menos graves? Qual o papel dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo nesta mudança? 

Giane Silvestre: Em tese, esta diferenciação já consta na legislação e na jurisprudência. O problema é que demoramos muito para começarmos a implementar, de fato, penas e medidas alternativas ao cárcere. A população prisional cresce de forma acelerada desde a metade da década de 1990, mas as iniciativas que fortalecem as penas alternativas ainda são incipientes. Falta também uma articulação efetiva entre os três poderes para a implementação de políticas de segurança e justiça que não vislumbrem somente o encarceramento como medida punitiva e algumas iniciativas são ameaçadas por interesses corporativos das diferentes instituições que compõem o sistema de justiça e segurança. Mudanças legislativas de caráter descarcerizante como a Lei 12.403/2011 – que possibilita ao juiz a decretação de diversas medidas cautelares diferentes da prisão – e a iniciativa do poder judiciário de implementar as Audiências de Custódia em todo país são alguns exemplos, ainda muito recentes, de articulação entre os três poderes e que podem fazer a diferença no curso do encarceramento excessivo.

Painel Acadêmico – Qual a responsabilidade dos últimos presidentes sobre a atual situação do sistema penitenciário brasileiro? 

Giane Silvestre: Embora a execução da pena e o processamento criminal fiquem a cargo dos estados brasileiros (com exceção dos crimes federais), a União, por meio do Ministério da Justiça e de seus órgãos como o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) podem promover (e devem) promover políticas na área de justiça e segurança conjuntamente em nível nacional. No início do ano passado, por exemplo, ainda no governo da Presidenta Dilma, o DEPEN instituiu uma Política Nacional de Alternativas Penais, com o objetivo de orientar estratégias para ampliar a aplicação das alternativas penais no Brasil. No entanto, após o impeachment pouco foi feito para dar efetividade à política. Por isso, é preciso que o governo federal tenha uma atuação mais incisiva, promovendo integração em nível nacional, com a participação dos Estados, no sentido de promover a melhoria das condições de aprisionamento ao evitar prisões desnecessárias, ao invés de construir mais prisões para aumentar o número de pessoas encarceradas e, consequentemente, o contingente das organizações criminais.

 

 

ACESSE: Construir prisões não é resposta adequada para questão penitenciária no Brasil, diz especialista