Autor: Eduado Rossler
Este trabalho situa-se dentro do campo da sociologia das prisões. Mais especificamente, no processo de apreensão e atualização dos estudos sobre os efeitos do sistema prisional em determinados grupos da sociedade, a prisionização. O objeto de interesse é a chamada “vila”, um grupo de casas destinadas aos gestores do complexo penitenciário Campinas-Hortolândia, no interior do Estado de São Paulo, localizada a menos de 60 metros dos muros da prisão. Este trabalho tem a intenção de observar e analisar micro-relações entre os moradores e ex-moradores desta localidade, todos gestores prisionais e seus familiares, e de que maneira a prisão e a prisionização contribuem para a organização do seu cotidiano. Em consonância com as mudanças nas políticas públicas do sistema penitenciário paulista, como a expansão das unidades prisionais, seu controle pelas facções criminosas e da guerra contra as drogas, este trabalho buscou apreender como essas questões foram administradas por esse grupo na busca por estratégias de manutenção da normalidade das relações sociais estabelecidas neste local. Através de entrevistas e da reconstrução da memória coletiva do grupo, foi possível perceber que a influência da prisão gera não apenas uma mudança no discurso sobre a insegurança no plano consciente, mas também um processo profundo de subjetivação da lógica prisional, reorganizando as estratégias para garantia da coesão e solidariedade do grupo. Através de um processo simbiótico (entre prisão e vila) e conflitante, as relações observadas se mostraram como um esforço constante das famílias em reforçar e ressignificar os elementos da instituição familiar e de comunidade, por meio de adaptações que reagem ao cotidiano prisional. Essas adaptações são incorporadas ao cotidiano e normalizadas, transformando-se de objetos de disrupção da ordem em elementos que fazem parte da constituição da própria comunidade. Nem dentro, nem fora, mas através da prisão, a vila torna uma comunidade sui generis, uma exacerbação da influência da prisão nos grupos que afeta. Na vila dos gestores, as distinções entre público e privado se enfraquecem, na medida em que a solidariedade entre os membros se fortalece. Isto causa, como procurei demonstrar, uma comunidade com um alto grau de interdependência, o que acaba resultando em um comportamento ímpar, descolado da sociedade ampla. Também foi possível observar os dilemas e a grande dificuldade de readaptação dessas famílias ao convívio com a sociedade, principalmente no momento em que se desligam dos cargos e encerraram as conexões com a comunidade da vila.